domingo, 14 de dezembro de 2008

A Dor

Há muito tempo que não tenho dado notícias. Porém, cá estou eu novamente para partilhar com aqueles que se interessarem um pouco dos meus pensamentos.
Hoje farei uma reflexão sobre a dor e para isso tomarei como base os ensinamentos desse grande Mestre que foi Buda.
Tudo começou quando ele ainda era o príncipe Sidharta Gautama e vivia num cercado de beleza, juventude e alegria, tudo obra do seu pai que queria impedir que a natureza de sábio de Sidharta despertasse.
Porém, os Devas resolveram interferir e um dia, passeando com o seu cocheiro, o príncipe vê um velho, um doente e um morto. Para ele foi tudo uma novidade pois ele nunca tinha presenciado a velhice, a doença e a morte. Uma dor terrível inundou o seu coração e ele constatou como a sua vida tinha sido uma ilusão até ao momento. A partir daí ele procurou o caminho da libertação e propagou as 4 Nobres Verdades. Elas são:

1.ª A verdade sobre a dor. A dor faz parte da existência e desde o seu nascimento o homem convive com ela. O sofrimento, as mágoas, as alegrias; a imperfeição das coisas e a sua impermanência são tudo fonte de dor. Aqui pode fazer confusão o facto de a alegria estar presente como sendo causa de dor, porém, a alegria não dura para sempre e assim que esse estado cessa de estar presente entra o sofrimento de ele ter acabado, daí a sua presença.

2.ª A verdade sobre a origem da dor. A causa da dor provém do facto de o homem tomar com realidade o mundo fenomenal e os seu objectos. Ele gasta uma energia tremenda em querer possuir objectos que, pertencendo ao mundo mutável, são impermanentes. É aqui que nasce o desejo, Tanha para os budistas, a sede de prazer, de existir aquela que faz com que o homem queira renascer novamente em busca de novos prazeres dos sentidos.

3.ª A verdade sobre a cessação da dor. O homem tem que ter consciência que a dor expira assim que a «sede» desaparece e isso somente acontece quando ele consegue atingir o Eu Superior, o Atman dos indianos, aquele que está acima do sofrimento, do prazer, da morte. Quanto mais o homem deseja, mas se afasta de Atman, por isso ele deve conseguir libertar-se do desejo e procurar o desprendimento unindo-se a lei que rege o Universo: Dharma (esta Lei está por trás de tudo o que acontece na Natureza e no Homem).

4.ª A verdade sobre o caminho que leva à cessação da dor: o Nobre Caminho Óctuplo.
– Compreensão Justa
– Intenção Justa
– Palavra Justa
– Acção Justa
– Meio de existência Justo
– Esforço Justo
– Atenção Justa
– Concentração Justa

Meditar sobre estes quatro pontos é a chave para que a dor deixe de estar presente em nós. O problema é que nos dias que correm o ser humano não gosta de encarar a dor, ele foge dela em vez de procurar compreendê-la e saber a sua origem. Fomenta-se o prazer como forma de fugir ao sofrimento, sem se perceber que isso somente fomentará mais sede de desejo e consequentemente mais dor.
Porém, tendo consciência de que a dor é algo que todo o ser humano experimenta podemos encará-la como normal e procurar aprender com a sua presença. Vou dar um exemplo: imaginem uma criança que nunca tinha visto um fósforo a arder. Imediatamente ela tenta pegar nele mas queima-se e larga-o. A dor funcionou como aviso de que algo de mal tinha acontecido e na próxima vez a criança não procurará apanhar o fósforo.
A nível psicológico acontece o mesmo, ou seja, sempre que sentimos dor é um aviso de que estamos a fazer algo que não está correcto. Então há que determinar a causa do sofrimento e procurar irradicá-la. E para isso é importante o homem conhecer-se a si mesmo e conseguir perceber o que o poderá fazer sofrer ou não. Se ele agir contra a sua natureza irá sofrer por isso, se agir contra aquilo que o Destino lhe «propôs» também irá sofrer, se desejar ardentemente algo que lhe está inacessível a dor será presença assídua.
Compreendo isto e sabendo actuar de uma maneira harmónica de acordo com o que o Destino lhe concedeu o ser humano acaba por ver na dor algo que o ajuda a melhorar e a perceber o caminho correcto a seguir.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Pequena história

Sócrates foi um dos mais marcantes filósofos da história. Não deixou nada escrito e aquilo que dele conhecemos provém dos escritos de Platão, de Xenofonte e de um ou outro historiador da Grécia Antiga. Muitas são as pequenas histórias sobre esta personagem carismática, que gostava de parar as pessoas na rua e interrogá-las sobre as virtudes, sobre a Verdade, a Justiça e os valores. Esta é uma delas:
«Passeava Sócrates um dia pelas ruas de Atenas quando decide interpelar um jovem que passava: "Se eu quisesse adquirir farinha e azeite onde é que o poderia fazer?" O jovem respondeu rapidamente: "No mercado." "E se quisesse adquirir Sabedoria e Virtude?" O jovem ficou confuso e sem palavras. "Segue-me", disse o velho Mestre, "que eu te mostrarei."»

segunda-feira, 28 de julho de 2008

As Crónicas de Narnia II




Outro dos elementos interessantes deste filme foi sobre o comportamento dos governante. No princípio da história ficamos a conhecer o Príncipe Caspian, o herdeiro do trono; mais tarde aparecem os protagonistas, que eram chamados dos Reis do Antigamente.

Peter, o mais velho dos irmãos era o regente da altura. Começa-se a notar que, mais cedo ou mais tarde, iria haver algum confronto devido a existirem «dois galos para um poleiro». A primeira cisão ocorre quando se debate que acção tomar para combater o Lord Miraz. Caspian pretendia fortificar o sítio onde se encontravam e Peter atacar o castelo. Surge logo uma cisão entre os que defendem uma acção e os que defendem outra. No entanto, Caspian, respeitando aquele que era o Regente, acata a solução de ataque ao castelo.

Aí é quando acontece uma situação que irá ter consequências graves. O ataque falha devido ao facto de tanto Caspian, como Peter não chegarem a acordo em relação às acções a efectuar: Caspian pretende resgatar o seu Mestre, Peter queria que ele fosse para o portão comandar as tropas, por exemplo.

Numa altura em que a guarda do castelo já se encontrava quase posicionada, Peter esforça-se por abrir o portão. Uma das suas irmãs diz-lhe que talvez fosse melhor abortar, pois o ataque surpresa falhara. No entanto ele não dá ouvidos e diz: «Não, eu consigo.», o que leva a irmão a perguntar-lhe, «Afinal, por quem é que estás a fazer isto?».

A teimosia de Peter leva a consequências drásticas, pois as suas tropas são derrotadas. Um autêntico massacre ocorre no pátio; quando é dada a ordem de retirada alguns têm tempo de fugir, mas Peter ainda pode ver aqueles que ficaram presos atrás das grades da porta principal a ser mortos.

Tudo isto fez-me reflectir sobre o papel que o governante deve ter na condução do seu povo. Confúcio e Platão dedicaram parte dos seus pensamentos a isso. Ambos falavam do Governante como o mais justo, o mais sábio e o mais harmonioso entre os homens. Na República, Platão refere que, se numa sociedade aquele que faz melhor sapatos deveria fazê-los para todos, porque iam ser bem fabricados, também aquele que fosse mais justo deveria ser o que iria governar.

Confúcio fala-nos das virtudes do Homem Ju, o homem virtuoso. Era aquele que era comedido, mas convicto nas suas ideias, não se deixava controlar pelas emoções, pelas paixões, nem cegar-se pelo orgulho, cultiva a humildade, mas sem ser em demasia, amava as virtudes e tentava aplicar cada uma delas nele próprio, antes de as procurar aplicar ao seu povo. Estas são as características que deveriam imperar no Governante.
No filme, Peter peca pelo orgulho, ele queria demonstrar que estava à altura de comandar as coisas, pois via-se perante a ameaça de Caspian, que era apreciado pelos outros seres de Narnia. O problema é que as consequências do erro de um governante podem ser desastrosas para os que ele comanda, neste caso a morte de quase metade das suas tropas.

Na cena em que, depois de regressarem ao seu refúgio, Peter e Caspian caminham lado a lado silenciosos, a minha amiga (a tal que proporcionou a companhia agradável) disse: «Agora ele tem que reconhecer o erro dele.» Porém, não foi isso que aconteceu, ele culpa Caspian pelo fracasso, pois ainda se encontra cego pelo orgulho. O Príncipe riposta e ambos trocam acusações.

Frustrado, Caspian retira-se e é abordado por um anão que lhe diz que tem o poder de lhe dar o trono. Cedendo à tentação, o jovem segue o seu intelocutor para descobrir que era a feiticeira má que lhe iria proporcionar isso. No momento em que ela estava quase a conseguir libertar-se Peter e os irmãos aparecem e conseguem evitar a sua fuga. Caspian tinha errado, pois tinha-se deixado levar pela frustração e pela ânsia ocupar o seu lugar de Rei.

Estes erros, ceder ao orgulho, à frustração, em pessoas sem grandes responsabilidades não causariam, provavelmente, grande transtorno, a não ser para a própria pessoa. Porém, num governante ceder aos maus hábitos e ao seu lado menos bom é fatal.

Imaginem uma toalha de mesa branca. Se ela já tiver alguma mancha, caso fique mais outra ela passará um pouco despercebida; mas numa toalha totalmente branquinha, limpinha, a mais ínfima das manchas chama logo a atenção.

Assim, no governante, são os seus maus exemplos que ficarão retidos na memória do povo e conseguir limpar isso é extremamente difícil. Ao contrário do que se pensa, o papel de um governante era uma tarefa árdua nos tempos clássicos, pelo menos para aqueles que seguissem as regras de conduta proferidas por Platão e Confúcio.

Para terminar uma pequena história sobre a verdadeira responsabilidade do Governante.

Quando Antonino Pio foi nomeado Imperador, a seguir à morte de Adriano, a sua esposa ficou contentíssima, pois ia ser Imperatriz e iria ter poder. Porém, Antonino, que era um homem bastante sábio, replicou-lhe: «Mas então tu não sabes que agora que me tornei Imperador nós ficamos sem posses privadas?» De facto, aquele que se tornava governante em Roma teria que pôr todos os seus bens pessoais ao serviço do Estado. Ele era como um pai que se sacrifica para educar e alimentar a sua família, se para isso tivesse que abdicar dos seus bens, ele faria isso, mas com esse sacrifício mantinha a ordem da qual era o esteio.


quarta-feira, 23 de julho de 2008

As Crónicas de Narnia


Fui ver recentemente o filme mencionado no título. Tinha interesse em vê-lo porque me pareceu que poderia ter alguns elementos simbólicos e filosóficos que pudessem ter interesse. E, de facto, teve. É um filme leve, com o qual dá para passar um serão agradável (principalmente se a companhia também for agradável, como aconteceu comigo).

Mais uma vez apresenta-se a relação do homem com um mundo mágico, idílico, luminoso. É de notar o contraste entre a cidade cinzenta onde viviam as personagens principais e a paisagem colorida de Narnia. É o brilho próprio da Natureza, quando se manifesta em todo o seu esplendor. Porém, esse mundo começava a mostrar indícios de estar a ser corrompido, pois Miraz, um dos Lordes ambiciona o trono e manda assassinar o legítimo herdeiro. O príncipe herdeiro consegue fugir e encontra refúgio numa floresta onde irá ter contacto com seres mágicos que o irão ajudar.

Muito elementos haveria para comentar, mas hoje focarei aqueles que mostram a relação do homem com a Natureza. Uma das coisas que notei foi quando Lucy, a mais nova dos quatro irmãos que são as personagens principais, pergunta porque é que as árvores estão quietas e não saem do seu sítio. Em Narnia toda a Natureza era viva, não só as árvores se moviam, como também os animais falavam. Porém, devido à guerra e ao conflito todo reino tinha perdido o seu encanto. É explicado a Lucy que os seres mágicos tinham sido perseguidos, e que se esconderam de tal modo que os Telmarinos (humanos de Narnia) pensavam que eles já não existiam. As árvores tinham-se escondido de tal modo no seu interior, que já tinham deixado de se mover. Alguns animais tinham também perdido a sua natureza mágica, tendo-se tornado em animais selvagens agressivos e regidos pelos instintos. Isso é visto quando Lucy tenta falar com um urso (os ursos eram animais afáveis e simpáticos) e é atacada pelo mesmo, sendo salva no último instante por um anão.

A magia começava a desaparecer, em tempos de crise, busca-se somente a sobrevivência, e esquece-se o resto. Nós próprios, humanos, quando passamos por situações difíceis onde não há dinheiro sequer para comer, esquecemos das nossas próprias naturezas humanas e soltamos os instintos, comportando-nos como animais. Basta ver o que acontece quando há uma catástrofe e as pessoas vão logo aproveitar para assaltar as lojas e roubar alimentos. Em Narnia, a acção humana começava a contaminar o mundo, o homem perdia o respeito pela Natureza e pelos seus espíritos regentes. Os seres como os centauros, os minotauros, grifos, etc deixam de ser considerados como elementos necessários ao equilíbrio natural, passam a ser empecilhos ao avanço da «civilização».

É o mesmo que acontece nos dias de hoje quando construimos cidades cada vez maiores e vamos roubando espaço aos animais, sem nos importarmos com o facto de que todos a fauna, e a flora também, ser necessária para o equilíbrio do ecossistema. A evolução do homem é feita à custa da Natureza em seu redor.

É curioso constatar que noutro obra magna da literatura fantástica «O Senhor dos Anéis», também se foque este conflito entre civilização e natureza. É uma obra em que também existem imensos elementos de interesse em termos simbólicos, e que em posts futuros irei apresentar (desde as várias naturezas do homem até ao percurso do heróis, passando pelos processos de iniciação, etc.).

Voltarei a focar outros aspectos em relação com As Crónicas de Narnia, espero que tenham oportunidade de ver o filme, de certeza que irão apreciar pelo seu tom leve e que deixa fluir a imaginação, coisa que o dito «homem civilizado» vai perdendo aos poucos, tornando-se cada vez mais «cinzento» como as cidades em que vive.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Actividade Ecológica

Neste domingo, dia 6 de Julho, decorreu na Tapada de Mafra uma actividade de voluntariado ecológico organizada pela Associação Cultural Nova Acrópole.
Participaram nesta acção estudantes do Programa de Formação Gratuito para Jovens «Kairós», amigos e associados da Nova Acrópole.
Foi num ambiente sereno, e partilhando o cenário com gamos e javalis, é que a remoção de resíduos não bio-degradáveis decorreu. Uma manhã que passou rapidamente em ambiente de boa disposição e empenho.

Na parte da tarde, depois do almoço, o Eng. Pedro Ochoa fez uma pequena apresentação onde abordou o ecossistema da tapada de Mafra, os diferentes aspectos a ter em conta na organização de um bosque, de uma tapada e de um jardim, bem como algumas curiosidades. Por exemplo, ficamos a saber que a expressão «limpeza de matas» pode ser entendido de maneira diferente. Se a pessoa for leiga entenderá que se irá proceder à remoção de lixo, porém, um silvicultor perceberá que se irá realizar uma limpeza de arbustos e plantas que possam estar a atrapalhar o desenvolvimento de outras espécies vegetais.

Paulo Loução abordou a temática da relação do Homem com a Natureza, que tem mudado muito nos últimos séculos, principalmente a partir do momento em que o ser humano assumiu que não era parte integrante da Natureza e que esta era um recurso para ser gerido por ele. Todas as civilizações antigas defendiam um ponto de vista em que o Homem estava integrado dentro do seio da própria Natureza, participando dos seus ritmos e ciclos. Para se entender melhor este modo de pensar insiro a carta que o chefe índio Seatlle enviou ao Presidente dos Estados Unidos em 1854, onde faz uma reflexão profunda sobre a relação e o respeito pela Terra.

Foi um dia bem passado e que espero que se repita novamente, pois o contacto com a Natureza regenera o ser humano, habituado a viver em «selvas de concreto» e perdendo a ligação com a terra e com a serenidade e harmonia que esta generosamente nos oferece. Para terminar aí fica a carta.




RESPOSTA DO CHEFE SEATTLE AO PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS -1854

Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra?
Essa ideia parece-nos estranha.
Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como é possível comprá-los?
Cada pedaço desta terra é sagrado para meu povo.
Cada ramo brilhante de um pinheiro,
cada punhado de areia das praias, a penumbra na floresta densa,
cada clareira e insecto a zumbir são sagrados na memória e experiência de meu povo.
A seiva que percorre o corpo das árvores, carrega consigo as lembranças do homem vermelho.

Os mortos do homem branco esquecem sua terra de origem quando vão caminhar entre as estrelas.
Nossos mortos jamais esquecem esta bela terra, pois é a mãe do homem vermelho.
Somos parte da terra e ela faz parte de nós.
As flores perfumadas são nossas irmãs, o cervo, o cavalo, a grande águia são nossos irmãos.
Os picos rochosos, os sulcos húmidos nas campinas, o calor do corpo do potro e o homem - todos pertencem à mesma família.
Portanto, quando o Grande Chefe em Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, pede muito de nós.

O Grande Chefe diz que nos reservará um lugar onde possamos viver satisfeitos.
Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos.
Portanto, nós vamos considerar sua oferta de comprar nossa terra. Mas isso não será fácil.
Esta terra é sagrada para nós.
Essa água brilhante que escorre nos riachos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados.
Se lhes vendermos a terra, vocês devem lembrar-se de que ela é sagrada, e devem ensinar às suas crianças que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da vida de meu povo.
O murmúrio das águas é a voz de meus ancestrais.
Os rios são nossos irmãos, saciam nossa sede.
Os rios carregam nossas canoas e alimentam nossas crianças.

Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem lembrar e ensinar a seus filhos que os rios são nosso irmãos, e seus também.
E, portanto, vocês devem dar aos rios a bondade que dedicarem a qualquer irmão.
Sabemos que o homem branco não compreende nossos costumes.
Uma porção de terra para ele, tem o mesmo significado que qualquer outra coisa, pois é um forasteiro que vem à noite e extrai da terra, aquilo que necessita.

A terra não é sua irmã, mas sua inimiga e, quando ele a conquista, prossegue seu caminho. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e não se incomoda.
Arranca da terra aquilo que seria de seus filhos e netos.
A sepultura de seu pai e os direitos de seus filhos são esquecidos.
Trata a sua mãe, a terra, e seu irmão, o céu, como coisas que possam ser compradas, saqueadas, vendidas como carneiros ou enfeites coloridos. Seu apetite devorará a terra, deixando somente um deserto.

Eu não sei, os nossos costumes são diferentes dos seus.
A visão de suas cidades fere os olhos do homem vermelho.
Talvez seja porque o homem vermelho é um selvagem e não compreenda.
Não há um lugar quieto nas cidades do homem branco.
Nenhum lugar onde se possa ouvir o desabrochar das folhas na primavera ou o bater das asas de um insecto.

Mas talvez seja porque eu sou um selvagem e não compreendo.
O ruído parece somente insultar os ouvidos.
E o que resta da vida se um homem não pode ouvir o choro solitário de uma ave ou o debate dos sapos ao redor de uma lagoa, à noite?
Eu sou um homem vermelho e não compreendo.
O índio prefere o suave murmúrio do vento, encrespando a face do lago, e o próprio vento, limpo por uma chuva diurna ou perfumado pelos pinheiros.

O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo sopro - o animal, a árvore, o homem, todos compartilhamos o mesmo sopro.
Parece que o homem branco não sente o ar respirar.
Como um homem agonizante há vários dias, é insensível ao mau cheiro.
Mas se vendermos nossa terra ao homem branco, ele deve lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar compartilha seu espírito com toda a vida que mantém.

O vento que deu ao nosso avó seu primeiro inspirar também recebe seu último suspiro.
Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem mantê-la intacta e sagrada, como um lugar onde até mesmo o homem branco possa ir saborear o vento açucarado pelas flores dos prados.
Portanto, vamos meditar sobre sua oferta de comprar nossa terra.
Se decidirmos aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais desta terra como seus irmãos.
Sou um selvagem e não compreendo qualquer outra forma de agir.
Vi um milhar de búfalos apodrecendo na planície, abandonados pelo homem branco que os alvejou de um comboio que passava.

Eu sou um selvagem e não compreendo como é que o fumegante cavalo de ferro pode ser mais importante que o búfalo, que sacrificamos somente para permanecermos vivos.
O que é o homem sem os animais?
Se todos os animais se fossem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Pois o que ocorre com os animais, breve acontece com o homem.
Há uma ligação em tudo.

Vocês devem ensinar às suas crianças que o solo a seus pés é a cinza de nossos avós. Para que respeitem a terra, digam a seus filhos que ela foi enriquecida com as vidas de nosso povo.
Ensinem às suas crianças o que ensinamos às nossas, que a terra é nossa mãe.
Tudo o que acontece à terra, acontecerá aos filhos da terra.
Se os homens cospem na terra, estão cuspindo em si mesmos.
Isto sabemos: a terra não pertence ao homem: o homem pertence à terra.
Isto sabemos: todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família.

Há uma ligação em tudo.
O que ocorrer com a terra recairá sobre os filhos da terra.
O homem não tramou o tecido da vida; ele é simplesmente um de seus fios.
Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo.
Mesmo o homem branco, cujo Deus caminha e fala com ele de amigo para amigo, não pode estar isento do destino comum.
É possível que sejamos irmãos, apesar de tudo.
Veremos.

De uma coisa estamos certos – e o homem branco poderá vir a descobrir um dia: nosso Deus é o mesmo Deus. Vocês podem pensar que O possuem, como desejam possuir nossa terra, mas não é possível.
Ele é o Deus do homem vermelho e Sua compaixão é igual para o homem vermelho e para o homem branco.
A terra lhe é preciosa e feri-la é desprezar o seu criador.
Os brancos também passarão: talvez mais cedo que todas as outras tribos.
Contaminem suas camas, e uma noite serão sufocados pelos próprios dejectos.
Mas quando de sua desaparição, vocês brilharão intensamente, iluminados pela força do Deus que os trouxe a esta terra e por alguma razão especial lhes deu o domínio sobre a terra e sobre o homem vermelho.

Esse destino é um mistério para nós, pois não compreendemos que todos os búfalos sejam exterminados, os cavalos bravios sejam todos domados, os recantos secretos da floresta densa impregnados do cheiro de muitos homens, e a visão dos morros obstruída por fios que falam.
Onde está o arvoredo?
Desapareceu.
Onde está a águia?
Desapareceu.
É o final da vida e o início da sobrevivência.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

A Comunicação


Houve uma pessoa que comentou um post meu e que me levou a fazer uma pequena reflexão sobre a Comunicação. Etimologicamente a palavra vem do latim communicatio, que signfica romper o isolamento e praticar uma acção com outros, ou então, a acção de tornar algo comum a muitos. Vemos, por isso, que para existir a comunicação são necessárias pelo menos duas pessoas: uma que emite e outra que recebe.

No comentário ao meu post anterior uma das ideias avançadas é de que hoje em dia a comunicação se baseia somente em sons emitidos, e muitas vezes ruidosos, tendo o homem moderno perdido o contacto com outros tipos de linguagem mais subtil, como o olhar ou o gesto.

Na verdade acho que a coisa vai até mais longe, pois nos dias de hoje quase que já não há comunicação. Como é possível, podem perguntar? Simples, se eu falo algo e a outra pessoa percebe a ideia que emiti, a comunicação foi efectiva. Porém, se eu digo algo demasiado complexo ou a pessoa não entende o que emiti, então a comunicação não se efectuou. Grande parte da comunicação parte do facto de sabermos escutar, e refiro escutar, não ouvir. Para muita gente estas duas palavras são sinónimos, mas isso é ilusório: ouvir é um fenómeno fisiológico, ou seja, o ouvido humano tem certas características que lhe permitem captar uma certa gama de sons; escutar é um acto psicológico, pois manifesta-se no interesse e na consciência que a pessoa põe no assunto que está a ser emitido. Escutar implica perceber aquilo que está a ser transmitido e assimilá-lo.

No nosso quotidiano, porém, a maior parte das pessoas não sabe escutar os outros. Então, o que acontece são monólogos em que cada pessoa vai falando, mas sem escutar o que o outro diz: «Olá, há quanto tempo, o que tens feito?» /«Nada de especial, saí agora do trabalho e estou com muitos problemas lá, o meu chefe...» /«Ihhh! Olha, no meu também acontece cada coisa, nem te conto.» /«É que o chefe tem andado em cima de mim e não me deixa efectuar os trabalhos sem pressão, então tenho estado numa pilha de nervos.» /«Eu estou quase com uma depressão, até tenho andado a fumar mais e tudo.»

Esta é a comunicação que se faz hoje em dia, em que se transmitem somente queixas, aspectos superficiais, mas não se oferece aos outros (lembrar que comunicar vem de "tornar algo comum aos outros") o bom, o belo, o justo.

Aliás, muitas vezes as pessoas agridem os demais com vozes altas, com palavras brutas ou mesmo extremamente violentas. É constante vermos os condutores a gritar entre eles ou as pessoas a barafustarem nos transportes públicos. Isto tudo porque o ser humano perdeu o contacto com o seu interior, não vê o «outro lado do espelho» constatando somente a sua forma externa. Mas dentro de cada um de nós existe um mundo imenso onde uma série de processos vão acontecendo, onde coexistem aspectos bons e maus que merecem a sua devida atenção. Porém tudo isto é negligenciado e cultiva-se somente a forma externa. Eu diria que não existe «comunicação» interior e ao não existir as pessoas não sabem quem são, de onde vêm e para onde vão, não conhecem a sua verdadeira potencialidade bem como a sua natureza real. Vivem somente o presente e respondem somente aos impulsos do mundo exterior.

Chego à conclusão que para se saber efectivamente comunicar há que saber «comunicar» interiormente, só a partir daí é que o homem poderá ter contacto com a sua verdadeira identidade, aquilo que mora mais além do corpo físico e mais além das emoções: a sua Alma, o que de mais verdadeiro existe nele.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Comunicação Não Violenta

Há muito tempo que não tenho dito nada. Hoje também as palavras serão poucas, as suficientes para que vos possa recomendar este link com uma entrevista onde se fala sobre Comunicação Não Violenta. Pode ser de interesse.

http://estilosdevidarcs.blogspot.com/2008/06/tera-feira-17-junho-comunicao-no_17.html



Deixo-vos também um link onde podem ler um pouco sobre o assunto.
http://www.acalentaracademia.tk/

Até breve.

domingo, 18 de maio de 2008

O Reino Proibido

Há muito tempo que não tinha tempo de escrever umas linhas, mas estou de volta. Fui ver há pouco tempo um filme chamado «O Reino Proibido», com Jet Li e Jackie Chan. Para quem gosta de um bom filme de artes marciais eu recomendo. Para além disso encontrei alguns elementos interessantes que vou comentar.

O filme conta a história de Jason, um rapaz que é um fanático pelos heróis de artes marciais chegando mesmo ao ponto de saber o nome de cada técnica usada por eles. Ele costuma frequentar uma pequena loja de penhores, em Chinatown, onde compra os filmes que adora. É aí que vê um bastão que é associado a um lendário herói: o Rei Macaco. O proprietário da loja diz-lhe que o objecto está ali desde que o avô dele fundou o estabelecimento, esperando que um escolhido apareça para o poder entregar ao seu legítimo dono. Durante um inesperado assalto o bastão é confiado a Jason que parte assim para uma aventura emocionante, trocando a cidade de Boston pelas paisagens da China Antiga, onde os Deuses também marcam a sua presença.

Encontrando ajuda de um bêbado lutador de Kung Fu e de uma linda guerreira ele parte na busca da montanha onde se encontra aprisionado o Rei Macaco para lhe devolver a liberdade e a sua arma mágica.
Neste filme nota-se a estrutura que está presente em todos os mitos heróicos. O Herói vive no seu mundo, muitas vezes perdido na ignorância da sua condição ou no anonimato (Jason era um rapaz simples com o qual os rufias se metiam). É então que algum acontecimento despoleta uma mudança na sua vida, des-pertando-o pa-ra uma missão (o assalto à loja no qual Jason é obrigado a par-ticipar é o ele-mento que o vai fazer res-ponsável pela arma mágica). O Herói é obrigado a abandonar o seu lar e parte numa busca (a saída de Boston e a entrada no reino mágico da China Antiga). É aí que os aconte-cimentos irão pôr a personagem em contacto com aquele que o irá ajudar a evoluir, que tanto pode ser um Mestre, como um Sábio, um Mago, etc. (neste caso trata-se de Lu Yan, o bêbado lutador de Kung Fu, papel desempenhado por Jackie Chan). Ao mesmo tempo que empreende a sua busca, o Herói vai sendo instruído, encontrando, em alguns mitos, outras personagens que o ajudarão na sua missão (Jason é instruído por Lu Yan, e na missão vão participar uma jovem guerreira e um monge).

Entretanto as Forças do Mal irão tentar impedir o Herói de atingir o objectivo (a bruxa e o malvado Senhor da Guerra). O Herói enfrenta a sua batalha decisiva, vence e retorna ao seu mundo totalmente diferente, mais maduro e livre dos seus anteriores limites (a batalha contra o Senhor da Guerra, a libertação do Rei Macaco e o retorno a Boston).

Querem um exemplo de algo semelhante? A história de Buda. Ele vive no palácio do seu pai e a visão de um doente, de um velho e de um morto irão fazer com que ele desperte para uma realidade que ele desconhecia (vivência no seu mundo, perda da ignorância e elemento que despoleta a missão). Ele, então, parte do palácio em busca da Verdade sobre o sofrimento humano (abandono do lar e início da procura). Frequenta vários Mestres que o fazem conhecer alguns elementos, acabando por encontrar a iluminação pelos seus próprios meios depois de ter vencido as tentações do demónio Mara (ajuda dos Mestres, acção das Forças do Mal e vitória na batalha decisiva). Depois disso abandona o exílio e volta ao mundo como Buda, o Iluminado (retorno já livre das suas amarras).


Outros elementos interessantes no filme é o modo como o desenvol-vimento do Herói vai acontecendo. Ele primeiro é alguém que se submete à sua fraqueza, não ten-do convicção no que é, ele desco-nhece a força que tem em potencial. De facto, Jason gaba-se de conhecer todos os golpes dos seus heróis de artes marciais, mas não sabe fazer nenhum. Isto é a mostra do conhecimento intelectual que muitos seres humanos têm, mas que não põe em acção. Afinal de que é que serve eu saber as Quatro Nobres Verdades de Buda se não as conseguir utilizar no quotidiano? A Sabedoria nasce quando se passa o conhecimento da mente para o coração, vivenciando-o e tornando-o realidade com os nossos actos. É isso que Jason vai aprender quando começa a sua formação. Há uma cena curiosa que acontece quando ele pergunta a Lu se este lhe vai ensinar alguns golpes como a Mão de Buda e alguns outros que ele conhece dos seus heróis. Lu encontrava-se a encher a taça de Jason com chá e deixa ela transbordar. Jason reclama, mas o Mestre replica dizendo que do mesmo modo que a taça transborda quando está demasiado cheia também o conhecimento não tem lugar quando temos a mente ocupada com muitos elementos. Jason não poderia aprender o verdadeiro Kung Fu se a sua cabeça estava cheia de fantasias, ele teria que «esvaziar» a sua taça mental para que houvesse espaço para a verdadeira aprendizagem.

Aí nota-se a importância do papel do Mestre no dispersar das trevas que toldam a mente do Herói, ele tem que abandonar um mundo criado na sua mente, uma fantasia, para começar a viver a realidade que ele irá ter que criar. Em certo momento refere-se no filme que o Discípulo segue o Caminho do Mestre, mas que em determinado momento terá que iniciar o seu próprio Caminho e descobrir a sua própria Verdade.

Os Mestres são aqueles que têm a chave para abrir as portas da Alma, mas isso de nada servirá se o Discípulo não aprofundar nos conhecimentos, não se esforçar e meditar por ele próprio. E é isso que Jason vai fazendo, praticando afincadamente os exercícios. Porém, ele ainda não está totalmente preparado. Muitas vezes os ensinamentos tornam o Discípulo demasiado confiante nas suas potencialidades, fazendo com que cometa algum erro que pode ser grave. No filme Jason comete esse erro quando, para salvar a vida de Lu, desobece ao conselho do monge e parte em busca do elixir da imortalidade no castelo do vilão, levando o bastão consigo. Tomando esta atitude ele não põe em risco somente a sua vida, mas acima de tudo põe em risco a vida de centenas de pessoas, pois se o bastão caísse nas mãos do Senhor da Guerra e fosse destruído o Rei Macaco não poderia voltar a viver e o mundo ficaria mergulhado nas sombras da tirania.

Por sorte, ou melhor, devido aos caminhos do Destino, no momento em que se preparava para ser executado e o bastão estava para ser destruído, o monge e a guerreira chegam para salvar a situação. Aqui nota-se a falhas que muitos de nós pode ter quando pensamos que o conhecimento que temos é o suficiente para alcançar mais altos voos. Há que manter sempre a humildade e não ceder ao orgulho. Mantendo a humildade posicionamo-nos sempre de maneira a mantermos a mente aberta para a novos conhecimentos e não criamos uma imagem falsa, pensando que somos o oceano, quando não passamos de pequenos lagos. Jason falhou nesse aspecto, no facto de não ter escutado o conselho de alguém mais experiente e de ter cedido ao seu próprio egoísmo, pois apesar de parecer que queria salvar o amigo, ele estava a tentar salvar-se da dor que sentiria ao perder o amigo, apesar deste lhe ter dito que ele o deveria esquecer. É com base nestas pequenas subtilezas que aparecem escondidas em coisas aparentemente certas que muitas vezes tomamos as opções erradas.

Por fim aparece um ensinamento ligado ao Karma. A rapariga queria-se vingar do Senhor da Guerra por este ter matado os seus pais. O monge diz que ele deve ser combatido, mas que não se devia odiá-lo, pois a procura de vingança podia-se voltar contra a pessoa que a pretendesse. Ela responde que quando estivesse à frente do vilão não era a paz que lhe iria oferecer, mas um dardo que estava preparado para matar os Imortais. Na cena da batalha final, ela tem uma oportunidade de executar a sua vingança, mas o Senhor da Guerra, com seu Chi desvia o dardo e projecta a guerreira contra um pilar, ferindo-a grave-mente. É Jason quem acaba por matar o vilão com o dardo.

Quando aparece o Rei dos Deuses, Jason leva a rapariga à sua pre-sença e pergunta se ele não poderia fazer nada para a salvar. Porém, sa-biamente, o Deus replica que ela própria tinha escrito o seu desfecho e que ele nada podia fazer contra isso. Ou seja, nós somos responsáveis pelas coisas que nos acontecem, tudo depende daquilo que fazemos e da intenção com que fazemos. Mesmo os Deuses nada podem contra a Lei que rege o Cosmos.

Tudo isto são elementos de interesse num filme leve, divertido com o qual se pode passar um serão agradável.




quinta-feira, 1 de maio de 2008

A Sombra


Estou no escritório a ler e olho pela janela. O sol brilha no céu, mas na terra, observando as pessoas, nota-se uma sombra a rastejar. É uma sombra subtil, da qual muito poucos hoje em dia têm a percepção, mas ela está lá estendendo as suas garras. O seu lugar de abrigo é no interior das próprias pessoas e é lá que ela se alimenta. No Egipto era simbolizada pelo crocodilo, capaz de permanecer quieto sem mexer um músculo durante bastante tempo, esperando o momento oportuno para atacar.

Que sombra é essa que permanece no interior do Homem? Como nasce? Como se desenvolve? Essa obscuridade somos nós mesmos, pois a luz e as trevas que existem no nosso interior foram desenvolvidas pelas nossas escolhas. A partir do momento em que nascemos vamos, paulatinamente, tomando contacto com o mundo. Primeiro com uma curiosidade insaciável em relação aos objectos e pessoas em nosso redor, tudo é uma novidade. Depois passa-se para uma fase em que começa a haver uma aprendizagem em termos de comportamento: o que devemos fazer e o que não devemos fazer. É assim que vamos tomando contacto com os aspectos ideais da nossa personalidade ( a generosidade, a amizade, as boas maneiras, etc), mas ao mesmo tempo vamos relegando para o nosso inconsciente os aspectos negativos (o ódio, a inveja, a ganância, etc). Estes últimos aspectos é que vão formando a nossa sombra e vão-se desenvolvendo ao mesmo tempo que a nossa luz.
Numa chave é isso que vem expresso num livro da Índia antiga chamado Bhagavad Gita. Nele é narrada, como alegoria, uma batalha entre duas facções: os Kuravas e os Pandavas. O primeiro bando é constituído por 100 irmãos que simbolizam as várias características negativas que o ser humano carrega dentro de si e o segundo é constituído por 5 irmãos que simbolizam as virtudes humanas. Ambos têm um laço de parentesco que os une: são primos e foram criados juntos, tendo tido os mesmos Mestres. Porém, os Kuravas têm sede de poder e ganância, enquanto que os Pandavas seguem um caminho ético de acordo com as mais nobres virtudes humanas.

Este combate simboliza o confronto que todo o ser humano tem com a sua sombra. Ela é parte de nós, cresceu connosco e, por vezes, é-nos demasiado familiar. Muitas vezes a toleramos, pois temos medo de arrancar uma parte de nós, mas da mesma forma que quando estamos com um cancro é necessário removê-lo nem que para isso «uma parte de nós» tenha que ser arrancado, também as sombras têm que ser extraídas do nosso interior. Como o fazer? De uma maneira bem simples: iluminando todos os recantos dentro de nós. Onde há luz não existem trevas; é a luz das nossas virtudes que deve rebater as trevas. Devemos cultivar a amizade, a compaixão, a temperança, a generosidade, a coragem, a justiça, etc, e contrapor todos estes aspectos à nossa sombra. Há que ter a coragem de aplicar a máxima que se encontrava no Templo de Delfos: «Conhece-te a ti mesmo», mas conhecer de uma maneira sincera, absoluta e corajosa; olhando de frente para os nossos defeitos e as nossas virtudes. É deste modo que podemos ir eliminando a nossa sombra e, consequentemente, fazer a luz estar presente na terra e não somente no céu.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

O porquê de Rurouni

Hoje resolvi explicar o significado do meu nickname: Rurouni. O que raio é isso? Poderão muitos pensar. A palavra conhecia-a através de uma série de anime (desenhos animados japoneses) denominada «Rurouni Kenshin» e cujo título, em português, foi traduzido (e mal) para «Samurai X». Outro dia poderei aprofundar mais sobre outros aspectos desta série, por agora focarei o significado de «rurouni».
A palavra é um trocadilho do criador da série com o termo «ronin», que designava um samurai sem senhor para servir e que vagueava pelas terras japonesas. «Rurouni» poder-se-ia traduzir por «andarilho» ou «vagabundo», sendo que esta última palavra não ia no sentido daquele que mendiga, mas sim no sentido daquele que anda sem rumo.
E, de facto, todos nós andamos um pouco à descoberta do nosso rumo na vida. Todos viemos parar a um caminho que desconhecemos, sem saber bem como e temos que caminhar, procurando descobrir o que nos move, para onde queremos ir e como fazer para atingir a meta. É uma caminhada que não é isenta de perigos, pois essa descoberta de nós próprios leva-nos a tomar contacto com as verdades que temos no nosso interior: as boas e as más. Mas é na coragem de enfrentar cada uma delas é que conseguimos evoluir e dar um passo mais no rumo pretendido.
Assim, foi por isso que escolhi este nick, pois faço parte do grupo que anda nessa busca interior, confrontando os medos, inseguranças, desejos e procurando atingir a luz das virtudes, essa luz que permitirá conhecer a verdadeira felicidade.

sábado, 19 de abril de 2008

A Verdadeira Amizade

«A amizade é a união dos espíritos afins, é um sorriso constante, uma mão sempre aberta, um olhar de compreensão, um apoio seguro, uma fidelidade que não falha, é alegria e esperança. É dar mais do que receber, é generosidade e autenticidade. É um tesouro que vale a pena procurar e, uma vez encontrado, manter para toda a vida como antecipação do reencontro das almas gémeas e como sombra favorita do eterno. Que o melhor de ti seja para o teu amigo.»

(Delia Steinberg Guzmán, Para Conocerse Mejor)

É com estas palavras bonitas que a escritora e filósofa Delia Guzmán fala sobre a amizade. Resolvi falar sobre este assunto porque hoje em dia o conceito de «amigo» é muito mal interpretado. Nos dias que correm chama-se amigo ao vizinho, ao colega do trabalho, ao companheiro nas saídas nocturnas... Mas serão realmente amigos? Não será isso antes um «amiguismo»?
Diz Cícero: «Meu amigo é outro eu. Quando procuro um amigo, é para misturar a minha alma com a sua e das duas fazer uma só.» Será que é isto que a maioria das pessoas tem em mente quando pronuncia a palavra «amigo»? Não me parece. Nos dias de hoje a amizade nasce das necessidades que o ser humano possui. Quando é preciso «safar» uma multa telefono a um «amigo» polícia, quando é necessário companhia para os «copos» falo com outro «amigo» e assim se vai utilizando a Amizade consoante os interesses que se tem. A verdadeira Amizade é muito mais profunda, nasce da alma e é, como refere a escritora Carmen Morales num belíssimo artigo na revista Nova Acrópole, «aquela que não conhece o tempo nem a distância, que não se importa com as idades, com o status nem com as conveniências, que só sabe dar porque não espera nada em troca.»
O verdadeiro amigo é aquele que expande o seu Sol interior e procura banhar a outra alma para que ela possa ter um sítio onde se aquecer quando necessitar; é um muro que não permite a passagem das águas nefastas que a vida por vezes tem, salvaguardando o amigo nos seus momentos mais frágeis; é aquele que cultiva, no seu interior, as sementes da harmonia, da alegria, da temperança e do Amor e as rega, cuidadosamente, para que brotem e cresçam de modo a poder oferecer as flores resultantes à pessoa amiga.
Por isso a folha solta de hoje dedico a todas as pessoas que marcaram e marcam a sua presença na minha vida, oferecendo a Luz da sua Amizade e permitindo que eu possa oferecer o melhor de mim a elas. A todos vocês um abraço com todo o carinho.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Primeiras folhas

Tudo o que nasce ou que é criado exige um grande dispêndio de energia. Podemos constatar isso se observamos uma mãe dar à luz ou ao conhecermos a força que uma planta precisa para poder sair da semente e «rasgar» a terra até poder alcançar a luz do Sol.
Do mesmo modo, estas primeiras palavras estão a ter o seu dispêndio de energia. Porém, à medidas que as folhas se forem soltando, que é como quem diz, as palavras se forem soltando, cada vez menos esforço será necessário. Se tivermos que empurrar um automóvel, e este se encontra parado, podemos ver que é necessário uma boa dose de esforço, mas à medida que ele se vai movendo mais fácil se torna empurrá-lo. O movimento é vida, estar parado é estagnar. Assim, procurarei fazer com que este blog seja como um rio, que flui, levando frescura e vida a todos os sítios por onde passa, num movimento perpétuo para que as suas águas não se tornem estagnadas. Será um espaço onde as ideias fluirão, umas vezes velozes como os ventos, outras suaves como o cair das folhas no Outono, mas sempre em movimento.
Que esta seja a primeira folha de muitas.